Há um tempo falei de um grande encontro em outra estação. O Encontro das irmãs que se abraçavam, pois finalmente uma das que conosco estava foi ao encontro de quem as antecedeu. Falei a respeito da dor da que ficou e das lágrimas derramadas por quem tanto as conheceu. Hoje dia 08/10 às 14 horas e 45 minutos o encontro se completou. A ultima das irmãs alcançou a nova estação e abraçou as demais.
Virginia de Souza Dias, nos documentos 96 anos, na conversa de quem a conheceu, mais de um século. Seus olhos viram o que muitos olhos jamais contemplarão. Eventos e fatos de um século contados na historia do mundo e contemplados por esses olhos que hoje se fecharam. Com eles se fecharam também as histórias de toda uma geração. A geração da primeira Cecília se encerrou nesses minutos e muito de suas lembranças se apagaram.
Com o coração apertado entendemos que esse encontro era esperado, mas o seu sorriso desconhecido no balançar de uma boneca de nossa infância a quem nos últimos momentos ela cuidou como se fosse seu filho, dizendo que a noite nada dormiu, pois o menino chorava com saudade dos pais e em seus braços a boneca encontrou alento, carinho e recosto, nos conquistou e nos braços da sobrinha ela encontrou cuidado, afeto, respeito e abraços.
Dos que a antecederam, ela se lembrou de todos. Da primeira Cecília logo comentou “Miúda não veio me ver, Miúda não está aqui”. Suas confusas lembranças obscurecia seu entendimento e não mais diferenciava a tênue linha que dividia dois mundos. Mesmo não conhecendo os que estavam ao seu lado, segurava nossas mãos com profunda confiança, olhava em nossos olhos e agradecia por cada pedaço de pão que lhe era entregue e se preocupava se a gente mesmo já tinha nos saciado “tu já comeu? Brigado”, às vezes um pedaço do alimento se escondia em sua mão e ela logo dizia “Vou guardar um pedacinho pra mamãe”.
Era um cuidado exagerado, mesmo que alucinado, por uma família, um sangue, um gene qualquer coisa que lhe dizia que era sua parte, seu pedaço. Muitos passaram ao seu lado nesses últimos dias, uma a chamava para tomar banho: “Não vou!”, outra chamava para almoçar: “Não quero!”, mas quando sua parte, seu pedaço se aproximava, ela não sabia quem era, não sabia nome, não sabia gostos, não diferenciava parentesco, mas não tinha dificuldades, a sobrinha dava o banho, almoçava, tomava os remédios e ela ainda dizia: “Ta gostoso. Eu gosto”.
Dizem que ela descansou. Mas quem se cansa de viver? Estava difícil é verdade, sempre pensávamos como ela via a vida, sem saber quem era, sem saber se tinha fome ou sede, quem estava ao seu lado, quais memorias tinha, se revivia essas memorias, ninguém sabia. Mas uma coisa ela deixou claro, quando um dia deitadinha num cantinho da cama ao conversar e contar os casos que ninguém sabia do que se tratava ela disse: “Meu Deus me dá saúde”, era a vontade expressa numa frase, numa petição ao único que podia restaurar seu estado perfeito demonstrando que memorias, sanidade, força, vigor, 96 ou 100 anos ainda é pouco para quem tem uma expressa vontade de continuar a viver.
Um ciclo se fechou. Uma geração que teve seu momento. Hoje o encontro se completa. As irmãs se abraçam, ao lado dos esposos, sob os olhares sempre cuidadosos dos pais. Cabe a nova geração de Cecília continuar essa história, nos genes, nos exemplos, na alegria, na bondade, na hospitalidade tão bem exercida por todas, no afeto familiar, na conversa dos amigos que relembram tão belas historias, nas lágrimas que semeiam um novo inicio, nas Cecílias que ainda virão.
“Ta boa virge?”: “Tô viva”, viva nas memórias, viva nos exemplos, viva nos corações, viva na historia, viva na família, viva nos amigos, viva nos sobrinhos, viva nas lembranças, viva sempre viva. Porque quando alguém tão grandioso vive, esse alguém tão grandioso vive para Sempre!
cara é lindo esse texto, pare que a conheço a um bom tempo,não sei quem é, mas sei que sua historia foi contada por uma grande escritora.
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